CARTA COMPROMISSO DOS PADRES DA CAMINHADA
1. Nós, Padres da Caminhada, somos um coletivo, unidos por ideais comuns, sem qualquer
pretensão de constituirmos uma instituição formal. Nascemos no 4º
Sulão das CEBs, em Canoas/RS (15-17/11/2019), do desejo dos padres
assessores de fortalecer a caminhada das CEBs. Tivemos um 1º Encontro
presencial junto ao túmulo de Dom Pedro Casaldáliga, em São Félix do
Araguaia/MT, em 2022, e agora estamos vivenciando nosso 2º Encontro
presencial (13-17/11/2023), junto ao túmulo de Dom Paulo Evaristo Cardeal
Arns, conscientes de que nossas causas valem mais que nossas vidas. O que
queremos é dar visibilidade aos sinais do Reino anunciado e revelado por Jesus
de Nazaré, na radicalidade da opção pelos pobres e descartados da nossa
sociedade.
2. Percebemos o momento crucial pelo qual passa o planeta, marcado por tragédias
ambientais, agravadas ainda mais pela irracionalidade das guerras e pelo apetite
voraz de grandes corporações capitalistas.
3. Temos consciência também de que é preciso fazer a retomada do processo de
recepção do Concílio Vaticano 2, interrompido nos tempos do inverno
eclesiástico e retomado pelo Papa Francisco.
4. Acreditando que “O ministério ordenado tem uma radical forma comunitária e
pode apenas ser assumido como obra coletiva” (PDV 17), queremos ser uns
para os outros, um espaço de ajuda e acolhimento, sobretudo para aqueles
presbíteros que se sentem mais isolados.
5. O isolamento de vários de nossos irmãos tem sido motivo de muito sofrimento
e desencanto, provocando, inclusive, decisões radicais contra a própria vida.
6. Percebemos que a Igreja tem recuado em sua profecia, deixou de ser voz dos
sem voz e, com isso, não é mais sinal de esperança para parte significativa do
povo que, muitas vezes, só dela pode esperar um alento para sua vida. Nesse
sentido, acreditamos que se faz urgente a volta a Jesus e ao seu projeto de Reino.
7. Com o passar dos anos, a Igreja foi se tornando uma instituição pesada, distante
dos ideais evangélicos, preocupada mais com sua manutenção na história,
contaminada pela autorreferencialidade, perdendo o horizonte escatológico que
a torna dinâmica. A instituição deveria se reconhecer efêmera no aqui e agora
e, ao mesmo tempo, com partículas de eternidade no ainda não, com a força
profética que a faz caminhar de esperança em esperança.
8. Reconhecemos que o processo de sinodalidade, impulsionado pelo Papa
Francisco, tem suas raízes na Tradição, e já foi vivido em inúmeras Igrejas
Locais no nosso país, animadas pelo carisma de irmãos e irmãs profetas e
profetizas que tivemos, tais como, Dom Hélder Câmara, Dom Paulo Evaristo
Arns, Dom Ivo Lorscheiter, Dom Aloisio Lorscheider, Dom Antônio Fragoso,
Dom José Maria Pires, Dom Luiz Gonzaga Fernandes, Dom Pedro Casaldáliga,
Dom Tomás Balduíno, Dom Luciano Mendes de Almeida, Dom Angélico
Sândalo Bernardino, Dom Orlando Dotti, Dom José Gomes, Dom Antônio
Celso Queiroz, Dom Erwin Klauter e Padre Orestes Stragliotto, Padre Alberto
Antoniazzi, Frei Carlos Mesters, Zilda Arns e tantos outros, sobretudo inúmeros
mártires. Foram eles que nos ajudaram a atravessar o longo inverno eclesial que
insistia em frear iniciativas proféticas próprias de uma verdadeira Igreja-Povo
de Deus, conforme nos orientava o Vaticano 2.
9. Hoje, somos obrigados a enfrentar uma conjuntura tão complexa de uma
sociedade multicultural, com tantos desafios, muitas vezes intransponíveis, que
põem em risco o próprio ministério, sobretudo nos nossos locais concretos de
trabalho, isolados, muitas vezes perseguidos, e sem apoio institucional.
10.Temos consciência de que não basta multiplicar atividades, não somos apenas
padres tarefeiros, mas sim buscar uma mística que nos dê o sentido profundo de
nossa existência e compromissos. Preocupa-nos também o processo de
formação dos novos padres; pois este está sob o desafio de encontrar novas
metodologias, que superem a atual que dá sinais visíveis de esgotamento.
11.Reunidos em São Paulo, mais de 40 irmãos do nosso coletivo, tivemos a
oportunidade de olhar com atenção a realidade social, econômica, política,
cultural e religiosa. Refletimos sobre a triste questão do suicídio de vários
coirmãos; pintamos um quadro sobre os cenários da Igreja e sonhamos com
propostas de ação; encaramos o monstro da desigualdade social, fruto do
sistema capitalista que mata, sentimos a opção de Jesus nos evangelhos e a força
do Espírito que nos empurra para a vivência junto dos pobres, num profundo
processo de escuta das suas demandas concretas e existenciais. Percebemos a
necessidade de definir um novo paradigma sustentado pela utopia do Reino, tão
bem expresso no cultivo do bem-viver. Nesse contexto, como Coletivo dos
Padres da Caminhada, revimos nossos compromissos e decidimos:
12.Reassumir nosso amor primeiro, voltando sempre a Jesus de Nazaré, ao frescor
do seu Evangelho e de seu projeto de Reino;
13.Reassumir nossa incondicional opção pelos pobres, por meio de uma aliança
profunda com os movimentos populares, pastorais sociais, caminhada das
Comunidades Eclesiais de Base, partidos populares, sindicatos ativos e outros;
14.Reassumir também o compromisso com o processo de recepção das conclusões
do Concílio Vaticano 2 e, de maneira muito particular, com a profética
Conferência de Medellín, onde o horizonte da justiça marcou todas as suas
definições;
15.Reassumir o compromisso com o caminho sinodal, fomentando processos de
inclusão de todas as forças vivas da sociedade, não somente os que já estão
incluídos na caminhada eclesial. Somente uma Igreja de portas abertas para sair
e entrar, para envolver-se e abrir espaços a todos, na perspectiva do Papa
Francisco – todos, todos, todos – desencadearemos um processo sinodal;
16.Reassumir o compromisso de manter viva e dinâmica a reflexão teológica, na
perspectiva das Teologias da Libertação revisitadas e atualizadas, privilegiando
o método indutivo na pastoral, ou seja, partindo sempre da realidade e não da
doutrina;
17.Reassumir o compromisso de fomentar a vivência das Comunidades Eclesiais
de Base, por acreditarmos que elas constituem no espaço ideal para um encontro
com Jesus de Nazaré, por meio de sua Palavra, da Eucaristia, da oração em
comum e da partilha da vida e das necessidades dos mais vulneráveis;
18.Reassumir nossa disponibilidade para servir a Igreja sempre a partir dos últimos
lugares, onde predominam os empobrecidos e os descartados da sociedade;
19.Reassumir sempre com renovado vigor nosso compromisso de enfrentamento
da tragédia ambiental que assola o país, em todos os seus biomas, onde os que
mais sofrem são os pobres, buscando agir como cuidadores da criação;
20.Reassumir nosso compromisso com as juventudes, na perspectiva de se fazer
mais próximo dos diversos processos em que elas estão inseridas. E uma
especial atenção aos novos recursos midiáticos e das redes sociais, por onde,
sobretudo as juventudes, transitam com mais frequência e facilidade;
21.Reassumir o compromisso de caminhada sinodal inclusiva com irmãos de
outras Igrejas cristãs e de outras expressões religiosas, no melhor de nossa
tradição ecumênica e de diálogo inter-religioso;
22.Reassumir o compromisso com a formação popular geradora de novas
lideranças para a Igreja e sociedade. Nesta perspectiva, fazer aliança com
instituições e organismos eclesiais e sociais que atuam nesse campo;
23.Agindo assim, cremos que vivenciaremos o melhor de nossa Tradição
Teológico-Pastoral da América Latina, sob a companhia sempre profética de
Maria de Nazaré.
São Paulo, 17 de novembro de 2023.
A seguir, um vídeo com relatos colhidos pela jornalista Ana Helena Tavares sobre o grupo Padres da Caminhada, quando eles estiveram reunidos em São Félix do Araguaia, em julho de 2022, para o 1º encontro nacional.
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