Por Jorge Alexandre Alves*
Dom Mauro Morelli foi um dos grandes de uma geração de bispos muito comprometidos com as intuições fundamentais do Concílio Vaticano II. Sentirei falta de seus tuites precisos, com aquele tom crítico que sempre foi a sua marca.
Um dos protagonistas da Igreja do Brasil no final do século XX. Um Gigante da fé, muito ao contrário dos anões eclesiásticos que hoje portam solidéu, báculo e mitra, viciados pelo clericalismo e pelo mundanismo espiritual tão criticados pelos Bispo de Roma.
Foi na sua Terra Santa da Baixada, em sua querida Duque de Caxias, que desenvolveu a parte mais fecunda de seu ministério episcopal. Formou redes de comunidades. E foi dos primeiros bispos a organizar sua diocese não a partir de paróquias, mas sim de CEBs.
Modelo que perdurou até poucos anos atrás, quando o seu atual sucessor resolveu reduzir a força eclesial das comunidades de base a meras capelas, como sempre se organizaram dioceses vizinhas.
Sua atuação destacada na promoção dos direitos humanos e na luta contra a fome à insegurança alimentar fizeram com que a figura de Dom Mauro transcendesse à Igreja do Brasil. Ele foi um daqueles que nos deu orgulho de ser brasileiro.
Desafiando o todo-poderoso cardeal arcebispo de sua província eclesiástica, trouxe o Encontro Intereclesial das CEBs para a Terra Santa da Baixada, já no distante ano de 1989. Era outra Igreja e outro país, com muitos problemas e contradições, mas talvez com maior dose de esperança e otimismo pelo futuro que os dias atuais.
Naquele evento extraordinário, cuja memória foi registrada em vídeo, a coordenação coube ao querido amigo e então frade franciscano Névio Fiorin .
De Dom Mauro trago algumas boas e divertidas memórias, principalmente dos anos 1990. Das visitas ao secretariado de pastoral, então organizado pela grande Edna, as lições de sabedoria que o amigo Celso Pinto Carias nos passava. A simplicidade como se colocava, a abertura em receber a todos e seu aguçado senso crítico eram suas marcas.
Ou ainda de como o conheci, na praça do Pacificador em Caxias. Fomos apresentados por uma querida religiosa que deve estar com ele agora no Reino.
Ela me apresentou não pelo meu nome, mas pelo apelido que eu carregava no tempo da Pastoral da Juventude. Ele achou muito pitoresco e, quando nos despedíamos, não perdeu a oportunidade da pilhéria, me dizendo: "Foi um prazer conhecê-lo. E continue 'charmoso'".
Em outra oportunidade anterior, os coordenadores do meu grupo de jovens foram desabafar com ele sobre as perseguições que sofríamos na PJ. Dom Mauro não podia fazer muita coisa, já que era bispo de outra diocese, mas não se furtou de dar palavras de consolo aos meus amigos.
Mais, não se furtou em se referir ao bispo que havia dissolvido a coordenação arquidiocesana da PJ de forma muito dura, ácida até.
Esse era Dom Mauro Morelli, sem papas na língua, sobretudo quando era necessário ser crítico em relação às autoridades, sejam elas civis ou religiosas - estas quando não se colocavam a serviço do Reino e dos mais empobrecidos.
Dom Mauro ontem partiu para a casa do Pai. Mas seu exemplo de bispo continua sendo seguido, ainda que não seja pela maioria dos bispos.
Seu legado é indelével, e continuará servindo de inspiração para todos os que acreditam em uma Igreja em Saída. Obrigado, Dom Mauro, Grande e primeiro Pastor de Duque de Caxias e São João do Meriti, na sua Terra Santa da Baixada.
*Sociólogo, professor e mestre em educação, integra o Movimento Nacional de Fé e Política.
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